julho 30, 2008

Quebranto



Baía de todos os poetas

de todos os dias

banha palavras nas tuas mágoas

poesia das causas perdidas...


poetisa dos loucos, dos pobres,

dos miseráveis nobres

e arrependidos sem causa


eles reduziram tudo a pó...


há poetas nas cavernas

e nos leitos de morte

falam a língua dos insensatos


à beira da loucura ou além dela

paira o absurdo manto do espírito


nós, preexistentes à falência dos planos de papel

e sobreviventes do naufrágio de todo sonho que se tem debaixo do sol


cantamos nossos salmos vivos aos ares

fazer da ruína um estandarte

é próprio de quem perdeu a máscara do grande teatro, amém.


outra noite o vento me disse:

o poeta está morto, inerte,

e não há musa que o desperte.


Afrodite migrara para outros mares

a ninfa ruflara asas rumo longe

saudades pousaram nos ombros

jamais outro pulso em harmonia


nunca mais


um só ser


ser um só


só um ser


um ser só




sufoca, murcha a flor, insípida

e nem um suspiro liberta

no meio do seu deserto


nunca mais

jamais que amor



ainda é tempo de amoras?




à flor seca

a sede pede mais que a m o r t e

pode lhe dar


então agora somos húmus

um só corpo e destino nos une:

a esquartejada imagem amada

e o canto fúnebre, árvores nuas

pássaros chamam a primavera


ao fim do inverno o vento voltou e me disse:
a poesia está pálida, ausente
nem na alma ela pressente
o mundo acabou para ela

enquanto a brutalidade e o extermínio,
a indiferença pensante rumina laços de aparências
humana dor inquietante, a consciência
leva grande leva de almas a perscrutarem o infinito
em ritos mórbidos, para onde foram todas as flores?

à luz da aurora o aborto e a tortura
deuses queimados nas fogueiras
crianças que serão eternamente crianças
em seus túmulos despertas
incapazes de sobreviver ao dilema
de ser ou não-ser
e o que lhes resta é subir a colina
sem saber o que ocultam as brumas das alturas

quando já nem és mais humano,
senão um manto a cobrir o espírito
enquanto o veneno e o vento não desmancham pra sempre
as linhas do passado

seria imortal e ainda assim humano?
luminoso como um demônio?

poesia das cavernas






Um comentário:

Vivian disse...

...não por acaso, cheguei à Flor do Acaso, e me encantei com a alma poética do anão de jardim...rsss...que lindo é tudo aqui!!...posso voltar mais vezes? muahhhhhh